O Grande Prêmio do México deveria ser uma demonstração de pura velocidade e genialidade tática, um episódio crucial em uma temporada acirrada. No entanto, além do rugido dos motores e das expectativas competitivas naturais, aquela tarde desencadearia uma das controvérsias institucionais mais explosivas da história moderna da Fórmula 1. No cerne do escândalo não estava um simples acidente ou uma infração técnica, mas um grave erro da FIA, o órgão regulador do automobilismo: um momento de inconsistência catastrófica documentado em dois relatórios oficiais contraditórios.

O mundo da Fórmula 1 assistiu incrédulo à Federação Internacional de Automobilismo (FIA) aplicar uma penalidade a Lewis Hamilton por uma pequena colisão com Max Verstappen na pista. A FIA publicou então um segundo documento que, na prática, reconhecia que a penalidade se baseava em um requisito impossível. Não se tratava de uma mera tecnicalidade burocrática, mas de um colapso institucional, uma admissão pública de uma brecha legal que levou equipes e pilotos a questionarem os próprios fundamentos da justiça esportiva em um campeonato onde milésimos de segundo e decisões isoladas definem títulos mundiais.
O incidente ocorreu após um período de safety car que neutralizou a corrida. Lewis Hamilton, pilotando uma Ferrari com pneus mais novos após uma parada antecipada nos boxes, aproveitou a oportunidade para atacar Max Verstappen. A manobra aconteceu na curva 4 do Autódromo Hermanos Rodríguez, um trecho conhecido por sua dificuldade. Levando Hamilton ao limite, Verstappen freou em seu ponto de referência habitual, mas a pressão em seu pneu dianteiro direito causou um travamento instantâneo, resultando em perda total de aderência.

Seu carro, instável, começou a subvirar severamente, perdendo toda a aderência e o forçando a sair da pista para a área de escape. Tentando recuperar o controle e evitar uma rodada ou colisão, Hamilton se viu à frente de Verstappen. Ele não recuperou sua posição imediatamente, e foi aí que as coisas começaram a dar errado.
A FIA publicou o Documento 36. A decisão era definitiva. Hamilton, declararam, havia “saído da pista e obtido uma vantagem permanente”. O veredicto foi rápido, padrão e aparentemente indiscutível: uma penalização de 10 segundos foi imposta. Equipes e comentaristas aceitaram como uma decisão técnica clara. Mas essas certezas logo seriam destruídas.

O mundo inteiro da Fórmula 1 pareceu parar. A FIA publicou o Documento 37, e seu texto continha uma absolvição implícita impressionante.
Neste segundo relatório, oficialmente assinado, a própria FIA reconheceu que, devido ao travamento dos freios e à alta velocidade resultante, Hamilton não tinha “nenhuma possibilidade realista de cumprir o protocolo de reentrada”. O documento reconheceu que era “fisicamente impossível” para o piloto seguir a rota de evacuação designada e retornar à pista em segurança, conforme exigido pelo regulamento.
Resumindo, a FIA sancionou Hamilton por infringir uma regra que ele não conseguiu cumprir, de acordo com seu próprio depoimento posterior.
“Nunca na história moderna da F1 houve tamanha falta de comunicação dentro do órgão regulador. Dois relatórios oficiais assinados pela mesma entidade, tratando da mesma ação, chegam a conclusões completamente opostas”, enfatizou o comentário.
Isso foi muito mais do que uma disputa técnica; foi uma falha institucional fundamental, transmitida ao vivo para milhões de pessoas, lançando dúvidas sobre a legitimidade de cada decisão tomada naquele fim de semana.

Quando a contradição entre os documentos 36 e 37 foi revelada, o silêncio inicial no paddock foi descrito como “mortal”. A tensão era palpável. Não se tratava do caos competitivo habitual que torna a F1 um sucesso; era uma falha institucional exposta.
A primeira voz a quebrar o silêncio com notável clareza foi a de Frédéric Vasseur, chefe da equipe Ferrari. Sua reação foi além de um mero desconforto; foi fúria. Ele descreveu imediatamente a punição como “muito, muito severa”, mas seu verdadeiro alvo era o próprio processo de tomada de decisão, que ele denunciou publicamente como “mal administrado”. Essa foi uma acusação direta contra a consistência da FIA, uma repreensão pela falta de coerência que comprovadamente prejudicou a corrida de sua equipe.
O prejuízo estratégico foi realmente devastador. Vasseur argumentou que a penalização de 10 segundos foi extremamente desproporcional. A sanção prendeu Hamilton num pelotão num circuito onde as ultrapassagens são notoriamente difíceis. A esperança de lutar por um lugar no pódio desapareceu num instante. Para uma equipa como a Scuderia Ferrari, que se esforça por reconstruir a sua reputação e credibilidade, perder um resultado importante devido a um sistema que contradiz as suas próprias conclusões foi, simplesmente, um grande golpe.
As críticas de Vasseur se intensificaram, passando de um erro administrativo para uma acusação de justiça seletiva. Ele então fez uma comparação crucial que causou grande repercussão no mundo da F1: a manobra de Max Verstappen naquela mesma curva.
O chefe da Ferrari destacou que Verstappen fez uma manobra “ainda mais extrema”, atravessando completamente a grama por cerca de 100 metros após seu próprio erro de frenagem, mas o piloto da Red Bull não recebeu nenhum aviso.
“Ele disse a Verstappen que este havia saltado a chicane na grama por cerca de cem metros. Por que então um foi penalizado e o outro não?”, perguntou Vasseur.
A consequência foi óbvia e fatal: a aplicação do regulamento foi seletiva, um sinal flagrante de inconsistência que o esporte, especialmente em um campeonato tão importante, não pode tolerar. Se Verstappen não foi penalizado por uma ultrapassagem tão flagrante, quais critérios precisos regem as decisões na pista? A conclusão foi unânime na mídia e no paddock: o processo de sanção foi corrupto e a disfunção era institucional, não técnica.

Na confusão que se seguiu, a atenção desviou-se das questões políticas para os dados de telemetria, por mais frios e inconsequentes que pudessem parecer. A Ferrari, antecipando a controvérsia, partiu para o ataque, publicando excertos dos dados do carro de Hamilton que refutavam brutalmente a versão oficial apresentada no Documento 36.
As provas técnicas eram irrefutáveis:
Ação não intencional: Os dados confirmaram um travamento de freios massivo e uma perda instantânea de aderência. A subviragem forçou Hamilton a se mover para a área de escape como um reflexo de autoproteção, não como uma manobra estratégica ilegal.
Física em primeiro lugar: Os sensores do carro indicaram uma velocidade de entrada superior à velocidade média para esta curva. Nessa velocidade, Hamilton não tinha como seguir a linha de corrida padrão sem correr o risco de uma colisão. Além disso, exigir que um piloto siga a linha de corrida prescrita em uma superfície de baixa aderência a uma velocidade constante ignora os princípios fundamentais da física do automobilismo.
Nenhuma vantagem obtida: Ainda mais condenatório, os dados do GPS provaram que, após retornar à pista, Hamilton não ganhou tempo algum; pelo contrário, perdeu uma quantidade considerável em comparação com seu ritmo de volta ideal. A suposta “vantagem sustentada” que justificou a penalidade de 10 segundos era simplesmente inexistente do ponto de vista técnico.
O resumo técnico confirmou a admissão contida no documento 37: “O piloto tinha um motivo válido para não cumprir as instruções do diretor de prova”. Essa absolvição implícita, baseada em uma necessidade técnica e na ausência de ganho esportivo, tornou a penalidade inicial de 10 segundos arbitrária e injustificada.

A questão permanece: por que o documento 36 e os comissários que o emitiram ignoraram todas essas informações irrefutáveis? Por que foi aplicada uma penalidade padrão de 10 segundos sem levar em consideração o contexto, os dados de telemetria, a velocidade ou as condições da pista?
A resposta destaca um “problema endêmico” no processo de tomada de decisão do Comissário: a automação.
Em vez de uma avaliação criteriosa do contexto, do fator humano e das leis da física, o sistema optou por uma sanção rígida e predeterminada. Foi uma aplicação mecânica da regra, aplicada “sem nuances, sem interpretação, sem justiça”.
Se os dados não revelam intenção, ganho ou alternativa, qual o sentido dessa penalidade? A mensagem para os motoristas, jovens e idosos, é profundamente confusa: dirijam no limite, mas estejam preparados para um órgão regulador que pode trair seus próprios princípios e aplicar penalidades arbitrariamente.
O duelo acirrado entre dois titãs, Lewis Hamilton e Max Verstappen, que deveria ter sido uma batalha intensa e disputada, tornou-se o símbolo máximo de um sistema que falha em sua missão primordial: garantir a justiça esportiva. A contradição entre os documentos 36 e 37 não é um erro isolado; é o sintoma mais visível de um problema profundo que corrói a Fórmula 1, onde a discrepância entre o regulamento e a realidade física dos circuitos ameaça privar o Campeonato Mundial de sua legitimidade arduamente conquistada. A questão não é mais se Hamilton mereceu sua punição, mas se um esporte global pode sobreviver sob uma estrutura que se trai. É hora de uma reformulação completa.
